(...) esta mulher, mãe e avó, será ela própria. As pesquisas dizem que ela construiu uma liderança irrefutável – de mais de 50% comparando-se aos menos de 30% de seu mais próximo rival, um homem desinteressante de centro, chamado José Serra.
Por Hugh O'Shaughnessy, em 26 de Setembro de 2010, para o jornal britânico The Independent - Tradução exclusiva
Parece que o Brasil vai eleger uma líder extraordinária neste final de semana, quando a mais poderosa mulher do mundo começará a mostrar quem é. Firme e forte, aos 63 anos, esta ex-líder da resistência à ditadura militar (na qual foi torturada), está se preparando para tomar posse como presidente do Brasil.
Como chefe de Estado, a presidente Dilma Rousseff se destacaria mais do que Angela Merkel, a chanceler alemã, e Hillary Clinton, secretária de Estado dos Estados Unidos. Seu imenso país tem 200 milhões de pessoas e se alegra com sua nova riqueza em Petróleo. A taxa de crescimento do Brasil, competindo com a da China, é uma situação que a Europa e Washington podem apenas invejar.
Neste domingo, na votação para presidente, sua vitória amplamente pré-anunciada será bem recebida com euforia por milhões. Isto marca a demolição final do estado de segurança nacional, um acordo que governos conservadores nos Estados Unidos e na Europa, em algum momento, reconheceram ser a melhor maneira de se limitar a democracia e barrar reformas. Esta situação manteve um status quo podre que, enquanto a grande maioria estava na pobreza na América Latina, seus colegas ricos eram favorecidos.
A senhora Rousseff, filha de um imigrante búlgaro no Brasil e de sua esposa, uma professora, se beneficiou do fato de ter sido a ministra-chefe da Casa Civil do imensamente popular presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-líder sindical. Embora ela mesmo tenha uma história de determinação e sucesso (que inclui ter vencido um câncer linfático) esta mulher, mãe e avó, será ela própria. As pesquisas dizem que ela construiu uma liderança irrefutável – de mais de 50% comparando-se aos menos de 30% de seu mais próximo rival, um homem desinteressante de centro, chamado José Serra. Há pouca dúvida de que, a partir de Janeiro, ela passará a morar no Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da República do Brasil.
Como o presidente, José Mujica, do Uruguai, vizinho do Brasil, a senhora Rousseff não se envergonha do seu passado como guerrilheira urbana, o que incluiu lutar contra generais e passar um tempo como presa-política. Quando menina, crescendo na cidade provinciana de Belo Horizonte, ela diz que sonhava com frequência em ser bailarina, bombeira e trapezista. As freiras na sua escola levavam sua turma para conhecer a área pobre da cidade, para mostrar a grande distância entre a minoria da classe média e a grande maioria de pobres.
Ela se lembra de quando um jovem mendigo de olhos tristes foi até a porta da casa de sua família e ela rasgou uma nota ao meio para dividi-la com ele, não sabendo que a metade de uma nota não tinha valor.
Seu pai, Pedro, morreu quando ela tinha 14 anos, mas, antes disso, lhe apresentou romances de Zola e Dostoievski. Após sua morte, ela e seus irmãos tiveram que trabalhar muito para ajudar sua mãe, para que, juntando tudo, ganhassem o suficiente. Aos 16 anos, ela fez parte do POLOP (Política Operária), um grupo fora do tradicional partido comunista do Brasil, que buscava divulgar o socialismo para aqueles que pouco sabiam sobre o assunto.
Os militares tomaram o poder em 1964 e decretaram um reino de terror para defender o que eles chamavam de "segurança nacional". Ela se juntou a grupos secretos radicais que não viam nada de errado em pegar armas contra o regime ilegítimo. Além de agradar aos ricos, arrochando os trabalhadores e as classes baixas, os militares censuraram a imprensa, proibindo os editores de deixar espaços nos jornais para mostrar de onde as notícias haviam sido retiradas.
A senhora Rousseff acabou se juntando à clandestina VAR-Palmares (Vanguarda Revolucionária Armada Palmares). Nos anos 60 e 70, membros de tais organizações seqüestravam diplomatas estrangeiros para obter resgate. Um embaixador dos EUA foi trocado por uma dúzia de presos políticos, um embaixador alemão foi trocado por 40 militantes, um emissário suíço foi trocado por 70. Eles também matavam torturadores experientes estrangeiros enviados para treinar os esquadrões da morte dos militares. Embora a senhora Rousseff diga que nunca usou armas, ela foi finalmente cercada e torturada por uma polícia secreta no Brasil, equivalente ao Abu Ghraib, a prisão de Tiradentes em São Paulo. Ela recebeu pena de 25 meses por subversão e foi liberta após 3 anos.
Hoje ela confessa abertamente ter querido "mudar o mundo".
Em 1973, ela se mudou para um próspero estado no sul do Brasil, o Rio Grande do Sul, onde seu segundo marido, Carlos Araújo, um advogado, estava terminando um período de quatro anos como preso-político (seu primeiro casamento, com o jovem de esquerda, Claudio Galeno, não resistiu à pressão de duas pessoas indo para cidades diferentes). Ela voltou a estudar, trabalhando para o governo do estado do RS, em 1975, e teve sua filha, Paula.
Em 1986, ela foi indicada para chefe das finanças de Porto Alegre, a capital do estado, onde seus talentos políticos começaram a desabrochar. Ainda assim, os anos 90 foram agridoces para ela. Em 1973, ela foi indicada como secretária de energia do RS, realizando um choque de gestão, com o qual assegurou que o estado fosse poupado de cortes de energia que atingiam todo o país.
Ela obteve mil novos quilômetros de linhas de energia elétrica, novas represas e estações de energia térmica, construídas enquanto persuadia os cidadãos a apagar as luzes sempre que pudessem. Sua estrela política começou a brilhar muito.
Mas, 1994, depois de 24 anos juntos, ela se separou do Sr. Araújo, embora amigavelmente. Ao mesmo tempo, ela estava dividida entre a vida acadêmica e a política, mas, em 1998, sua tentativa de não conseguir o título de doutora em Ciências Sociais não teve êxito.
Em 2000, ela lançou sua sorte junto a Lula e ao PT e, com sucesso, tinham a visão de combinar o crescimento econômico com o ataque à pobreza. Lula e ela imediatamente se tornaram amigos. Ela se tornou sua Ministra das Minas e Energia, em 2003. Dois anos mais tarde, ele a colocou como sua Ministra Chefe da Casa Civil e, desde então, a apoiou como sua sucessora. Eles estavam juntos, quando o Brasil descobriu vastos depósitos de óleo costeiro. Com tudo isso, ela ajudou o líder – a quem muitos da imprensa européia e americana consideravam, uma década atrás, como um radical extremista de esquerda – a tirar 24 milhões de brasileiros da pobreza. Lula ficou ao seu lado, quando, em Abril do ano passado, ela foi diagnosticada com câncer linfático. Um situação que ela já declarou sob controle há algum tempo. As recentes denúncias de irregularidades financeiras entre seus assessores não parecem ter abalado sua popularidade.
A senhora Rousseff deseja convidar o presidente Mujica, do Uruguai, para a sua posse no ano que vem. Bem como: o presidente Evo Morales, da Bolívia; o presidente Hugo Chávez, da Venezuela; e o presidente Fernando Lugo, do Paraguai – outros bem-sucedidos líderes sul-americanos, que têm, como ela, resistido a campanhas impiedosas de difamação da imprensa ocidental. Com certeza, estarão lá. Será celebrada a decência política e o feminismo.
*Traduzido em especial para o blog "Quem tem medo do Lula?", por Maria do Céu Ribeiro, professora de inglês há 40 anos, e minha mãe. Os trechos em negrito foram destacados pelo QTML?.
Cite a fonte.
Licença Creative Commons.
Nenhum comentário:
Postar um comentário